8 de out. de 2014

Prestação de contas - parte III (final)

Bom vamos lá continuar a saga Brasil....depois de não receber o apoio do pessoal como ele imaginava (e como eu de certa forma imaginava tbm) começamos a andar com nossas próprias pernas. 
No final de outubro enfim demos entrada no RNE dele, fomos fazer o restante dos documentos e no dia 05 de novembro ele começou a trabalhar. Não é um bom trabalho pelo currículo dele, o salário é horrível (estou usando o "é" pq ele ainda está lá trabalhando) porém no momento que ele chegou sem falar 1 palavra de português foi o que apareceu e agarramos a oportunidade, o que foi bom pois logo em seguida veio o bebê e tudo mais e por mais que o salário seja pouco ele nos ajuda então hamdoulillah (graças a Deus) por tudo.
O emprego surgiu em um ótimo momento pois como eu disse antes meu marido estava se virando sozinho pela cidade o que depois da primeira semana já deixou de ser interessante e ele já não queria mais sair pois ficava perambulando sozinho só pra conhecer a cidade e em razão disso ele se fechou numa conchinha só dele, ficava em casa o dia todo estudando português pela internet e falando com a familia quando conseguia pois minha sogra e meu sogro não saber mexer em computador e dependem do meu cunhado e ele estuda e tal raramente eles conseguiam se falar. E o resultado foi qual? Meu marido quase caiu em depressão. Eu chegava em casa muitas vezes encontrei ele chorando, ele estava extremamente desacreditado e com a moral lá no pé pois não estava conseguindo cumprir com o papel dele de "homem da casa", por isso também agarramos a oportunidade de emprego por mais que seja fora de tudo o que ele já fez na vida.
Junto com o emprego tentamos resgatar nossa força porque aí nessa época já estavamos abalados com a gravidez rs..enfim, começamos a sair juntos, a programar o futuro e etc. Posso dizer que o fato dele começar a trabalhar foi marcante na nossa história aqui no Brasil, pois as coisas mudaram (não que a partir disso os problemas acabaram, mas parece que tinhamos uma motivação para resolvê-los).
Hoje ele ainda continua nesse emprego mas por tempo limitado se Deus quiser, pois está com o português bem melhor e agora também está estudando então conseguir alguma coisa melhor é questão só de tempo e um pouquinho de paciência. 
No geral, a única coisa que ele gostou aqui foi a cidade rs..de resto até hoje ele não engole muito não. Pra encerrar vou listar algumas coisas e fazer algumas observações (baseadas no MEU caso e como sabemos cada caso é um caso, não quer dizer que com o seu vá ser o mesmo. Conheço alguns argelinos que vivem aqui muito bem obrigado apesar desse não ser o caso do meu marido).

*uma coisa extremamente desvantajosa no nosso caso, a língua. Desde que viajei pra Tunísia, casamos, fiquei morando na Argélia nossa comunicação sempre foi em francês, e assim continua...eu simplesmente NÃO CONSIGO falar em português com ele..ele me cobra, minha familia tbm mas simplesmente não consigo. Não é má vontade nem nada mas foi um hábito que criamos e infelizmente ficou, e isso claro retarda o aprendizado de português dele.

PONTOS CRÍTICOS:

- Religião: por mais que o povo brasileiro seja super receptivo etc etc etc dificilmente alguém que viveu em país de maioria muçulmana vá se sentir a vontade aqui e pq? Pare e pense qual empresa/patrão tem um local apropriado ou até mesmo horários e a flexibilidade do funcionário poder parar para se lavar e orar nas orações obrigatórias (que dependendo do horário podem ser 2 ou 3 que a pessoa tem que fazer no trabalho), fora que as pessoas não entendem o porque desta prática ou ainda pedir pra sair toda sexta na hora em qu a oração deve ser feita na mesquita, que tal? rs
No trabalho dele meu marido na maioria das vezes consegue fazer as orações, se lavar e etc mas ainda é escondido e porque os outros funcionários "encobrem" ele. Para se lavar um dia um dos funcionários viu ele lavando o pé na pia (que é o único local que tem pra fazer isso) e fez um escândalo. Se você consegue ter essa pratica 100% parabéns, valorize muito o seu emprego, local de trabalho e chefe, pois eu mesma NUNCA consegui nem um local pra fazer escondido e nem mesmo sentada na minha mesa quietinha.
E essa coisa da religião pega e pega muito, é uma das razões claras para meu marido não curtir morar aqui.
- Alimentação: ainda falando de religião. Se o teu marido, namorado etc for muçulmano que leva as coisas bem a sério isso também será um problema, principalmente quando falarmos a palavra "carne" e porque? Bom você já deve ter ouvido falar em carne halal, alimento halal (se você ainda não conhece ou tem dúvidas clique aqui e aqui). E isso pra uma pessoa que foi criada em um local aonde podia comer de tudo sem se preocupar pode ser muito difícil e em primeiro tempo vai ser você a responsável pelas orientações sendo você muçulmana ou não. Aqui além de termos pouquissimos produtos halal disponíveis facilmente para consumo e mesmo as empresas que são certificadas (clique aqui e aqui para saber quais são) muitas vezes só são certificadas para exportação (meu marido por exemplo não come mesmo se a mãe dele dissesse que pode comer rs) temos o problema de ter muuuitos produtos que contém carne/gordura de porco (coisa que pros muçulmanos é proibido) e não pensem vocês que é fácil, que é só evitar carne de porco e seus derivados porque encontramos gordura de porco em algumas marcas de sorvete, em pães, bolos (quem nunca usou a banha de porco pra fritar alguma coisa ou deixar alguma massa mais "gostosa"?) e TUDO isso é extremamente PROIBIDO para um muçulmano (pensa que é fácil seguir o islam no Brasil? sabe de nada inocente rs) e tudo isso como eu disse acima é TUA responsabilidade, de cuidar do que ele come, de mostrar o que pode e o que não pode. Você pode não orientar? claro que sim, a consciencia é tua. conheço várias pessoas que simplesmente omitiram que a carne não é halal e não tem preocupação nenhuma com isso porque é mais fácil, porque imagina se eu vou ficar escolhendo marca de carne e etc..cada um é cada um e se você vai dormir tranquila sabendo que está prejudicando a pessoa que você ama por puro comodismo ok, sem problemas. 
Para facilitar um pouco nossa vida, nas grandes cidades existem açougues halal, geralmente aberto por algum árabe antigo na cidade que ele mesmo faz o abate da carne e vende, aqui em Curitiba tem um e é essa carne que consumimos, tanto a carne vermelha quanto o frango, e é isso que meu marido come quando vai ao trabalho (eu faço janta e ele leva marmita TODO DIA) pois ele não come nada fora de casa porque não confia em nada.
Claro que ás vezes acontece de sairmos e termos que comer fora, então se estamos no centro da cidade vamos a este mesmo local do açougue onde eles vendem também esfirra, kibe, shawarma e afins, senão optamos pelo peixe/frutos do mar. Quando vamos almoçar na casa de alguém nossa marmitinha de carne vai junto..estranho?pode ser mas acredito que as pessoas já tenham se acostumado.
- Roupas: bom, se você é muçulmana a chance de ter algum problema nesse quesito é pequena, pois você mesma já sabe como se portar e etc porém se você não é aí vamos conversar rs. Conheço certas pessoa que batem na tecla do "eu não vou mudar por ninguém, ele que se adapte", me desculpe mas ele não vai se adaptar neste quesito. Se você não abre mão do shortinho, sainha, decote, roupa justa e curta e sexy provavelmente terá que abror mão do namorado/marido pois sinceramente não conheço 1 muçulmano que se sinta a vontade/fique feliz/tenha orgulho de ter a mulher sendo comida pelos olhos alheios porque isso vai contra a religião dele, contra a cultura, contra aliás tudo que ele acredita e foi criado até hoje então sei que vai ter muita gente dizendo que ele TEM que aceitar, que aqui é Brasil, que ela é brasileira e etc mas posso dizer com toda certeza que talvez quando a coisa tiver no virtual ainda pode ate ser que ele tolere, porém quando a coisa passar pro real a chance disso acontecer é menos de 1%. Isso não quer dizer que você tenha que se vestir como uma muçulmana, usar véu, abaya, burca etc, não, nada disso, mas manere, aumente um pouquinho o comprimento das coisas, a largura também, moderação nunca é demais e é sim possível chegar a um meio termo que não fira nenhum dos dois.
E esteja aberta aos comentários muitas vezes sem noção do seu amado sobre as vestimentas alheias, o meu até hoje não se conforma com a leging e muito menos quando ela é usada por alguém meio avantajada digamos, também não deixa ahcar saia curta imoral, regata decotada também e etc mas com o tempo você se acostuma.

Eu acho que esses são os pontos mais críticos, claro que existem outros detalhes mas o que pesa mais é isso mesmo. vão ter também coisas que variam de país pra país que demoram até eles se acostumarem como leis, coisas bancárias, de previdência, imposto de renda, sistema médico e demais burocracias.

Agora uma coisa que acho que é geral de gringo que chega aqui é começar a amar os feriados e ver no calendário quando é o próximo kkkkk lá na Argélia existem 3 feriados, os 2 Eids e o dia da independência, e só...aqui é o 'paraíso" e meu marido adorou essa história...assim como também adorou comer manga, abacaxi (lá tem mas é muito caro), ficou embasbacado com a quantidade de tipos de banana e se assumiu um 'macaquinho", banana aqui não falta, mamão, abacate (desse ele não gostou), arroz e feijão é uma relação de amor e ódio rs, os preços ele acha tudo caro (tudo mesmo) porém não resiste a uma liquidação rs, enfim são vários detalhesinhos que quando a gente está longe nem imagina e muitas vezes nem pensa mas é bom pensar pra facilitar um pouco a vida de casado e ajudar a chegar no sonhado "felizes para sempre" (se é que isso existe).

E assim com esse texto enorme paguei a minha dívida com vocês, espero que tenham gostado e estamos aceitando sugestões de temas a serem abordados futuramente pelo blog que andava meio paradinho pela correria mas vamos ver se conseguimos retomar o ritmo de antes.

1 de out. de 2014

Prestação de contas - parte II

Continuando....estou devendo ainda a parte da adaptação do meu marido, então vamos la.
Chegamos ao Brasil no dia 19 de agosto de 2013, antes de virmos para Curitiba passamos alguns dias no Rio com alguns amigos, ele adorou todo mundo e claro que a cidade era uma novidade pra ele, porém mesmo assim ele achou tudo caro e não quis sair muito rs achou um absurdo o preço dos onibus para que pudessemos ir pra lá e pra cá então acabamos fazendo passeios por Niterói mesmo (onde ficamos hospedados na casa de uma amiga) e só 1 dia ou 2 fomos para o Rio mesmo, nem praia não rolou e ele no último dia já não estava mais gostando tanto assim da cidade. Não lembro quantos dias ficamos mas não foram muitos, acredito que uns 5 no máximo e logo viemos para Curitiba, chegamos tarde da noite e fomos direto dormir. 
No outro dia acordamos cedo e fomos já correr atrás da papelada dele, registrar nosso casamento, ir na Polícia Federl porque pra variar não consegui agendar um horário no site etc, acho que aí que caiu a ficha dele que o ritmo aqui é outro rs entre uma burocracia e outra fui mostrando a cidade pra ele e mostrando os onibus que precisaria pegar, aonde não ir e etc pois em poucos dias eu sabia que ele teria que se virar sozinho. Com o passar dos dias ele foi pegando bem as dicas e quando eu voltei a trabalhar ele não teve problema nenhum para ir e vir sozinho mesmo ainda não falando 1 palavra de português.
Quanto a papelada deu tudo certo porém a Polícia federal daqui é super enrolada e para darmos entrada no RNE demorou mais de 1 mês, o que acarretou em meu marido não ter nem a menor possibilidade de procurar um emprego. Nós procuramos alguns bicos pra ele fazer nesse período mas não apareceu nada. 
Desse período de fim de agosto até dia 4 de setembro fiquei com ele e me empenhei o maximo possivel para que ele pudesse ter autonomia quando estivesse sozinho e no fim das contas percebi que isso foi uma coisa muito importante. Dia 04 comecei a trabalhar e foi a primeira vez em muito tempo que acontecia essa "separação", nos primeiros dias foi meio difícil (mais pra ele do que pra mim) porque afinal ele ainda estava em um local estranho e agora sem ninguém pra acompanhá-lo nos passeios.
Uma das primeiras coisas que ele fez sozinho foi ir a mesquita, e aqui fica não um alerta mas um comentário que talvez possa ajudar aguém. Quando pensamos em mesquita pensamos em uma comunidade (na sua maioria árabe, de estrangeiros ou decendentes) unida e preparada para dar uma mão para quem precisar, porém por favor ninguém pense que o seu estrangeiro chegou vai na mesquita vai fazer amigos e etc, pode até acontecer porém na maioria das vezes essa expectativa nos frustra e mesmo a eles, porque o que acontece é que eles vão, esperam uma boa recepção e isso não acontece e quando acontece a recepção é apenas para saber de onde ele veio, o que faz da vida (resuma-se essa frase em saber se ele veio com grana ou ñ) e porque está aqui e dependendo da resposta dele (que quase sempre vai ser que casou com uma brasileira e que está buscando um trabalho) as portas (e as caras) se fecham. A pequena chance que ele tem que talvez consiga se enturmar é ser da nacionalidade predominante na região...exemplo: aqui em Curitiba a comunidade é formada na sua grande maioria por libaneses, seguida de egípcios, marroquinos, palestinos e agora bastante sírios, ou seja se você é de alguma dessas nacionalidades provavelmente teu compatriota vai tentar pelo menos ser simpático com você e te dar algumas dicas maaaaas voltando a nossa realidade meu marido é argelino e aqui de argelino tem meia dúzia de gato pingado portanto na mesquita ele não recebeu apoio nenhum nem pra conhecer a cidade, nem pro idioma, nem pra não se sentir tão sozinho, nada de nada. 
Uma época ele estava conseguindo carona de um egípcio para ir até a mesquita e diversas vezes meu marido pediu pra ele poder indicar algum trabalho etc (não pediu pra ninguem dar emprego de graça ñ, mas queria uma ajuda pra achar o melhor caminho ou junto aos árabes ou algum lugar que aceitasse ele sem falar a lingua) mas nada, ao contrário dos egípcios que chegaram aqui depois que prontamente foram já encaminhados ou mesmo empregados pelos compatriotas (ñ eram parentes, conhecidos nem nada. Gente "estranha" que tinha acabado de chegar como meu marido). 
Não preciso nem dizer que isso desanimou e muito meu marido, pois lá nos países de origem todo mundo ajuda todo mundo mas parece que quando o "poder" sobe pra cabeça as pessoas esquecem um pouquinho esse princípio e a conclusão que tenho por experiência (claro que podem haver casos diferentes mas essa foi nossa realidade) é que não tragam seu estrangeiro com o pensamento de que o pessoal da mesquita vai ajudar ou que ah eu conheço um árabe e ele vai ajuda, pq o primo da vizinha da minha amiga é árabe vai ajudar...........sinto muito mas não conte com isso porque muitas vezes não vai não..aliás dificilmente vocês vão achar alguém que ajude na adaptação nesse início, portanto força e companheirismo porque nessa fase geralmente será só o casal mesmo pra passar todos os obstáculos.

Continua.....