12 de ago. de 2015

Mulheres cobram até R$ 40 mil para se casarem com estrangeiros no país


O repórter Francisco Regueira fala ao telefone com uma mulher de Guarulhos, São Paulo, que colocou este anúncio na internet: "Assunto: casamento com estrangeiro que queira obter documento".
A internet está cheia de anúncios assim: "Casamento por contrato", "Procuro estrangeiro para casamento e regularização de sua residência", "Não importa cor, raça, ou credo, é um negócio. O preço é a combinar".
Respondemos a esses anúncios. Para comprovar a fraude, o repórter se apresentou na mensagem como cidadão português, interessado em casamento com brasileira, para conseguir visto de permanência em nosso país.
"Sou português e moro no Brasil, no Rio de Janeiro. Estou interessado em permanecer por aqui", disse Chico.
Funcionou. Uma certa Vânia, de Guarulhos, respondeu à mensagem e marcou uma conversa por telefone.
"Eu estou precisando de dinheiro. Então é assim: é um negócio que eu quero fazer. É uma coisa , sim, que não é muito...muito legal? É. Mas você sabe, e eu sei, mas o mundo não precisa ficar sabendo disso, certo? ", disse Vânia.
Telefonamos para outras pretendentes. Ao todo, marcamos com cinco mulheres para discutir cara a cara a transação.
A convite do Fantástico, para mostrar como funciona esse esquema, um cidadão português nos acompanhou nos encontros. Ele se fez passar por estrangeiro interessado num casamento de fachada.
"Teve um monte de emails lá. Eu não respondi nenhum. Pra ninguém eu passei meu telefone, nada. Porque eu achei você muito educado", contou Fátima, de São Paulo.
"Três pessoas me ligaram já querendo", disse Vânia, de Guarulhos.
Marcamos os encontros. As mulheres tomam cuidados quando vão falar com um desconhecido na rua. A Valquíria foi ao encontro acompanhada de um rapaz.
"O risco que tem é o seguinte: tudo tem que ser feito no absoluto sigilo porque não é uma coisa legal", explicou Walquíria, de Salvador.
"O brasileiro é processado por falsidade ideológica. Porque não pode, entendeu? É um crime", explica Iná, de Curitiba.
"A Polícia Federal vai inspecionar de tempo em tempo na minha casa. A minha maior preocupação é essa", alertou Vânia.
"Vão querer ir na casa, ver se tem lá fotos, assim", revelou Iná, de Curitiba.
Já a Simone levou a irmã, que comenta o que a pessoa casada de forma fraudulenta deve fazer se a polícia aparecer: "Ele pode ter a vida dele. Só se procurarem ele, você fala: 'o meu esposo está em São Paulo trabalhando'".
"Ligam para algum parente para perguntar: 'Ah, realmente ele casou?'. Tem esses detalhes, para dar a permanência pro estrangeiro", disse Iná.
Fantástico: "Tem alguém da sua família que possa, por exemplo, comprovar isso?"
"Eu moro com o meu irmão aqui, que também é estudante. E daí tem que falar com ele mais ou menos, né?", explicou Iná.
E no cartório também é preciso fazer um teatro.
"Entrar de mão dada os dois, tem que usar aliança de noivo", explica Simone.
Segundo os conselhos da Valquíria, o falsio casal deve se conhecer como se fossem dois pombinhos apaixonados.
"Conversar mais, saber o que um gosta, o que gosta, o que gosta de comer, o que não gosta de comer, entendeu? Gosta de viajar, pra onde que gosta, essas coisas assim de hobbies, entendeu? O que mais irrita num, o que irrita no outro, sabe? Combinar essas coisinhas, sabe? Tanto eu sobre ele, quanto ele sobre mim, entendeu?", disse Valquíria.
É assim que a Polícia Federal atua para tentar desmascarar as farsas.
"Um policial se vale, às vezes, das pegadinhas, que são aquelas perguntas da vida rotineira de qualquer casal, que só um sabe responder sobre o outro. O hábito do cônjuge, a maneira de conviver, de dormir, horários. Uma série de perguntas sobre o cotidiano que devem ser feitas", afirmou o delegado da PF André Diniz.
Segundo dados do Ministério da Justiça, o número de estrangeiros legalizados no Brasil vem aumentando ano a ano. Em dezembro de 2010, havia menos de um milhão. Seis meses depois, em junho de 2011, o número pulou para quase 1,5 milhão, um aumento de cerca de 50%.
"O Brasil é um país de miscigenação, bem miscigenado. É um país que você não tem uma cara de brasileiro. Você tem o japonês, você tem o oriental, você tem o negro, o branco, o mulato, o pardo, então, essa miscigenação faz com que seja fácil você se passar por brasileiro. Então eu posso ter alguém vinculado a um grupo criminoso, vinculado a algum tipo de atividade terrorista que queira se passar por brasileiro então está iniciando o procedimento através de um casamento", ressaltou o advogado e professor de Direito Internacional.
Para se casar com brasileiro dentro da lei, o estrangeiro precisa apresentar uma série de documentos, que vão ser checados pelas autoridades. Como a declaração de que não foi processado ou condenado por crimes no Brasil ou no exterior e pelo menos mais quatro documentos. O Ministério da Justiça pode requisitar mais papéis se julgar necessário. As esposas de aluguel mostram que conhecem um pouco dessas exigências.
"Eu preciso da identidade, comprovante de residência e a certidão de nascimento só. No caso dele, ele precisa de todos esses documentos e precisa também do registro de solteiro de lá de Portugal", afirmou Valquíria.
Depois de dois anos de casado e residindo no Brasil, o estrangeiro pode pedir naturalização. Aí, o casal que fez a fraude pede o divórcio. A Simone oferece um ano a mais como brinde.
"É um casamento de dois anos. Eu só estou acrescentando um ano a mais se ele quiser", afirma Simone.
Antes da negociação chegar ao que interessa, algumas delas se antecipam dizendo que não querem nada além do combinado.
"Eu, por exemplo, não vou querer o que você tiver. Eu não vou querer, nem você. Sabe aquelas coisas? Isso a gente pode estabelecer em contrato, com advogado, tudo", afirmou Fátima.
"Como se fosse realmente verdadeiro, sabe? Só que a gente casa com separação total de bens", disse Valquíria.
E quanto custa esse casamento? Varia conforme a noiva.
"R$ 40 mil", respondeu Simone.
"Vamos ver se está no seu acordo. Se pudesse assim uns R$ 10 mil para me ajudar a resolver tudo", disse Fátima.
"Eu estimo um valor assim, acima de R$ 10 mil", contou Iná.
Fantástico: "R$ 4 mil é o seu cachê".
Vânia: "Tem cara cobrando R$ 10 mil. 50% e 50%, os R$ 4 mil. Eu não sou mercenária".
"Na hora que ela assinar no cartório, ele dá o dinheiro pra ela. Dá um cheque administrativo, alguma coisa, sabe? Para segurança de vocês, não precisar andar com dinheiro no bolso", disse Simone.
"R$ 20 mil. Esse valor que a gente está cobrando, mas se você for buscar e procurar, é muito mais caro. Tem pessoas cobrando R$ 30 mil, R$ 40 mil. Porque tem uns que realmente querem fazer dinheiro", respondeu Valquíria.
Por que ela diz 'a gente está cobrando'? Porque o rapaz que a acompanhou no encontro é o namorado de Walquíria.
"Vocês moram juntos? São marido e mulher?", perguntou o repórter.
"Só que a gente não foi no papel", respondeu o namorado.
Eles não se casaram no papel, porque os dois se oferecem para se casar com estrangeiros em troca de dinheiro. Para avançar na negociação, o nosso repórter disse que conhece uma portuguesa interessada em se casar no Brasil. O nome é fictício: Matilde. Na mesma hora a Valquíria e o namorado fecharam um pacote.
"Se eu for, um exemplo, casar com ela, a gente vai ter que fazer o mesmo procedimento", explica o namorado de Valquíria.
Valquíria: "R$ 40 mil".
São R$ 20 mil pelo casamento com ela e R$ 20 mil pelo casamento com ele. E a irmã da Simone, de Limeira, diz que também topa se casar por dinheiro.
"Quero. Estou cobrando o mesmo preço", diz a irmã de Simone.
Depois dos cinco contatos ao vivo, três mandaram emails reafirmando o interesse no casório de aparências.
A Fátima, de São Paulo, pede urgência para fechar o negócio.
A Valquíria quer saber o que nosso repórter achou da conversa em Salvador.
E a Iná, de Curitiba, fixou o preço do casamento em R$ 15 mil. Mas diz que espera uma contraproposta.
Já Simone e a irmã fizeram questão de nos levar ao cartório para pegar informações sobre os procedimentos.
Elas foram bem preparadas pra encenar a farsa. Levaram as alianças que tinham mostrado no primeiro encontro.
No cartório, uma funcionária nos deu informações sobre os procedimentos para casar. Depois, não encontramos as irmãs de novo.
E a Vânia, de Guarulhos, marca um segundo encontro para receber parte da primeira parcela de R$ 2 mil.
É a comprovação do golpe. E, ela ainda posou para imagens que ajudariam a enganar as autoridades. Depois desse encontro, ela ainda procurou o nosso repórter para continuar a transação. Mas nós não respondemos. Esse tipo de casamento é crime.
"O artigo 299 do Código Penal atribui a conduta de falsidade ideológica para este tipo de comportamento. Então se ele está omitindo ou inserindo informação falsa, e nesse caso ele está fazendo isso em um documento público, a pena é de um a cinco anos mais multa", afirmou Nilton Cesar Flôres, professor e advogado especialista em Direito Migratório.
"O estrangeiro que está clandestino no país ou irregular no país, a ele é imposta uma multa por estada irregular e ele é notificado a deixar o país, sob pena de deportação", destacou Izaura Miranda, diretora do Departamento de Estrangeiros - MJ.
"O amor é tudo de bom na vida", declarou Vânia.

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